Na Carreira de Cima trabalha o «escultor de cabelos»



Pelas portas estreitas do estabelecimento, João Chaves vê Castelo de Vide desfilar há 56 anos. Tantos quantos traz como barbeiro na «Carreira de Cima», como é conhecida a artéria larga que desemboca na Praça D. Pedro V.
Jorge Andrade sábado, 3 de Abril de 2010


Aos 80 anos João Chaves, o barbeiro de Castelo de Vide, mantém mão certa no corte, rente e certeiro. «Não consigo largar esta vida, de manhã acordo e venho logo para a barbearia. Chego e já tenho clientes à porta». O senhor João, traje a rigor, bata verde cingida ate ao pescoço por uma carreira de botões, desfila palavras pautadas pelo ritmo do tac,tac,tac,tac da tesoura que não cessa durante toda a conversa.

Nas últimas cinco décadas Castelo de Vide passou literalmente pelas mãos deste «escultor de cabelos», como gosta de enfatizar João Chaves quando se refere à profissão. O barbeiro da Carreira de Cima, olhar posto no cabelo do cliente comenta: «Olhamos para a cabeça do cliente e percebemos como cortar o cabelo. Quem tem uma tesoura afiada como eu tenho não falha. Dos carecas é que não faço nada, falta a matéria-prima». Ri-se. A palavra sai pronta a João Chaves enquanto orbita o «amigo» que se senta na velhinha cadeira, inaugurada com a abertura do estabelecimento.

É Sexta-Feira Santa. O quadro que a porta da barbearia emoldura fala a época. Passa a Procissão do Enterro de Senhor. Rua apinhada, banda filarmónica em passo solene. Padre e altar à frente. João Chaves olha num relance. Conhece o quadro de muitas Páscoas passadas. «Está a ver, é assim a minha Páscoa. A cortar cabelo».

Começou bem cedo na profissão o senhor João. Ainda menino, com 12 anos. «O meu curso universitário foi tirado numa barbearia», sublinha. «Depois, aborreci-me e fui para Lisboa. Trabalhei nas finanças mas ganhava-se pouco. Desisti e voltei. Abri esta casa. Hoje, depois de tantos anos, em Castelo de Vide sou o único barbeiro. O que há para aí são muitas cabeleireiras». Mas, aí, como conta João Chaves, não se faz a barba. Esta tem segredo para sair a preceito? - perguntamos. «Não homem, as barbas quase as faço de olhos fechados. Sabe o que a faz a barba? É a mão».

Uma mão que tem assegurado a João Chaves uma clientela fiel. «Não me faltam clientes. Até os estrangeiros aqui vêm. Alemães, italianos, holandeses gostam de uma barbearia tradicional». A Casa também é estrela e, inclusivamente já serviu de cenário a uma série belga. Entrar na barbearia é uma viagem retrospectiva. Pouco mudou entre portas ao longo de cinco décadas. As cadeiras «compradas directamente em Lisboa» custaram quatro contos. «Já me ofereceram cem vezes esse valor para as levarem para a América. Não me desfiz delas. Não preciso de dinheiro, preciso de saúde», desabafa João Chaves. Cenário de barbearia que se completa com o aparato de tesouras afiadas, os pincéis de cerda espessa e longa, os espelhos que já viram reflectidos muitos rostos, em diferentes épocas; as fotos das duas netas, muitos recortes, palavras escritas com a vida local.

Ao fundo da barbearia as cadeiras de quem espera o corte dão-nos mote: Senhor João, Isto também é um lugar para muita conversa ao sabor do tempo? «Das boas e das ruins. Há dias em que vou lá para dentro e faço-lhes assim». O gesto, instituição nacional para um «não me chateiem», encerra o tema.

Saltamos a fronteira com a conversa. Afinal de contas Espanha espreita a pouco mais de 15 quilómetros. «Na minha juventude íamos aos bailes para Espanha, a Valência de Alcântara. Não se ia de automóvel, fazíamos tudo de bicicleta. Ainda lá namorei uma rapariga. Não me casei com ela, casei-me com uma portuguesa. Estou viúvo há 19 anos».

João Chaves vai ao fundo da loja e retorna com uma mão-cheia de fotografias. «Sabe ler em francês? Leia lá». Caligrafia certa, numa missiva de 2008. Agradecimentos pelo apoio prestado com a cedência da loja e a promessa cumprida sobre o envio de umas fotografias. Espreitamos as fotos. No caso concreto João Chaves traja à época; século XIX. Faz parte de um júri em tribunal que delibera sobre um último condenado à morte. Percebemos; João Chaves o barbeiro de Castelo de Vide também é estrela de televisão. Sorri. «Vá homem, despache-se. Olhe que falha a procissão».

3 comentários:

  1. é uma pena a incorrecção: a carreira de cima não desenboca na praça dom pedro v.

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  2. Muitos annes de vide ao xinês!

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  3. muitos annes de vide ao xinês.

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