Para 2010, a REFER – a empresa que gere a infra-estrutura ferroviária em Portugal - não prevê qualquer intervenção para o Ramal de Cáceres / Marvão.
Esta linha férrea não é, propriamente, uma linha secundária: ela serve a principal ligação ferroviária a Madrid (e é a única com comboios directos de Lisboa a Madrid). Apesar disso, nunca foi verdadeiramente modernizada.
A construção deste ramal ocorreu há 130 anos e demorou apenas 2 anos, tendo sido inaugurado em 1880. A lentidão do percurso em Portugal foi criticada desde o início: desde muito cedo se percebeu que a linha era sinuosa onde nenhuma razão havia para o ser. A explicação era simples: a empresa que explorava os caminhos de ferro ganhava ao quilómetro e, à boa maneira portuguesa, fez, por isso, por aumentar a distância percorrida pelo ramal. O troço mais sinuoso é o de Castelo de Vide a Marvão (16 km), devido ao relevo mais acentuado. Mas não se limitava a esse troço o exagero de curvas. Referindo-se ao troço entre Vale do Peso e Castelo de Vide (20km), Sant’Anna Dionísio comentava, em 1927 (há mais de 80 anos), que “
a linha descreve repetidas curvas, que não derivam das condições do terreno, mas da conveniência que teve a Companhia em aumentar a quilometragem para efeitos económicos do tráfego! O interesse público impõe a rectificação deste traçado tortuoso, que não se justifica por diferenças de nível consideráveis a vencer”. Estas deficiências de traçado nunca terão sido corrigidas, pois entre 1913 e 1980 o tempo da viagem entre Torre das Vargens e Marvão/Beirã não sofreu alteração sensível, apesar da melhoria do material circulante.

A linha recebeu, recentemente, algumas
obras, mas,
dentro da Rede Ferroviária Nacional, continua a estar na última categoria das linhas ferroviárias: é uma linha de uma só via. Não é electrificada. Não dispõe de nenhum sistema de controlo de velocidade, nem tem Rádio Solo Comboio(*). E não dispõe de cantonamento automático - o sistema de cantonamento utilizado ainda é o telefónico, o dos primórdios do caminho-de-ferro. No troço Castelo de Vide – Marvão, as travessas ainda são de madeira.
Estas características não põem em causa a segurança de circulação nesta linha férrea, que tem um tráfego ferroviário diminuto. Mas sem dúvida que influem nos tempos de percurso.
Apesar de tudo, relativamente a patamares de velocidade, esta linha está na 4.ª categoria (numa escala de 6), melhor do que a vizinha Linha do Leste (5.ª categoria). Mais uma vez, graças ao Comboio Lusitânia (Lisboa-Madrid). Porque o material circulante usado no serviço regional de passageiros, embora seja bastante melhor do que no passado, continua, também, a precisar de ser modernizado, quer em termos de conforto, quer em termos de velocidade.
Sendo verdade que o Ramal de Cáceres / Marvão tem tido algumas obras de manutenção e de renovação, os tempos de percurso do comboio regional continuam inalterados.
Com efeito,
em 1981 – ou seja, há praticamente 30 anos – o comboio regional demorava
67 minutos a percorrer o trajecto entre a Torre das Vargens e Marvão/Beirã (no sentido ascendente). Em
1984 – há um quarto de século – esse tempo era de
66 minutos. Em Novembro de
2009, o trajecto é percorrido em
65 minutos...
Tendo em conta que estamos a falar de um troço de 65 km,
a velocidade média situa-se, pois, nos 60 km/h. Ao contrário do que se poderia pensar à primeira vista, esta lentidão não se deve ao troço montanhoso entre Castelo de Vide e Marvão/Beirã: a velocidade média é constante ao longo de todo o ramal:
1) O troço de 29 km entre Torre das Vargens e Vale do Peso é percorrido em 28 minutos;
2) O troço de 20 km entre Vale do Peso e Castelo de Vide é percorrido em 21 minutos;
3) O troço de 16 km entre Castelo de Vide e Marvão é percorrido em 16 minutos.
Ou seja, em qualquer dos casos, a velocidade média dos comboios regionais ronda os 60 km (apesar de na primeira parte do percurso a linha permitir velocidades instantâneas bem superiores: o material circulante usado explicará esta situação).
Uma velocidade média de 60 km/h era, há 30 anos, boa. Só que entretanto a rede viária foi modernizada, construíram-se auto-estradas e vias rápidas (A6, A23, IP2…) e renovaram-se muitas outras estradas locais. O investimento nesta linha férrea não acompanhou essa evolução.

De resto, os investimentos na construção de estradas continuam “bem de saúde”. Só para citar dois exemplos nesta região: neste momento está a ser construída uma
Variante a Castelo de Vide, com a extensão de 2,2 km, e que custa
2,5 milhões de euros (não contando com as derrapagens do costume)… E vai ser construído o troço do
IC 9 entre Abrantes e Ponte de Sor, que é mais uma auto-estrada, com o custo de
50 milhões de euros + derrapagens (**)…
Não tenhamos ilusões: esta linha férrea jamais será modernizada. O argumento oficial é o de que o diminuto tráfego de passageiros não justifica o investimento. Mas foi, em grande parte, o desinvestimento na linha que provocou a diminuição do tráfego de passageiros...
(*) O Rádio Solo Comboio é, basicamente, um sistema que se destina a permitir a comunicação entre os maquinistas e os responsáveis da REFER pela regulação de tráfego, entre os maquinistas e as estações, e entre os maquinistas de dois comboios.
(**) De acordo com os critérios internacionais,
uma auto-estrada só é justificável a partir de uma circulação diária média de 10 000 veículos. Para esta auto-estrada, o tráfego médio previsto é de 5274 veículos ligeiros e 381 pesados:
5 655 veículos no total...
No próximo post daremos atenção à evolução dos horários nas últimas décadas e de como a política de horários tem contribuído decisivamente para a morte lenta desta linha férrea. No último post (n.º 10), contaremos "explicar", por imagens, a beleza e a potencialidade turística deste ramal. Fontes (além das hiperligações indicadas):- directório da rede ferroviária para 2010- GAFNA- Guia de Portugal- Horários antigos do Ramal de CáceresAgradecimento: Paulo Fonseca